Direito e Software: Marco Civil da Internet e a afirmação dos direitos digitais no Brasil
Este texto foi produzido pelo estudante Andrew Ijano Lopes, a partir da palestra de Rafael Zanatta na Disciplina de Direito e Software, em 23/04/2019.
Em 23 de abril de 2014, é sancionado o projeto de lei chamado de Marco Civil da Internet. Com o nome oficial de Lei N° 12.965/14, ela regula o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado.
Mesmo com uma descrição simples, essa grande conquista para a população brasileira tem histórico complexo e muita desinformação sobre seu real propósito e campo de ação.
O que o Marco Civil é?
Numa primeira abordagem, para entender o Marco Civil da Internet é importante conhecer seu histórico. A ideia desse projeto surgiu em 2007 como reação à tentativa de criminalização do uso da rede (criticado sobre a alcunha de AI-5 digital). Até 2011, o projeto se destacou pelo seu desenvolvimento colaborativo e transparente através de um blog, onde era possível discutir e contribuir para seus ideais.
Durante o seu desenvolvimento, uma das narrativas centrais (e em contraposição ao projeto de lei sobre cibercrimes) é o Marco Civil como um projeto civil, não penal. Proporcionando mais direitos e liberdades civis em vez de criar leis criminais. E como uma lei para a população, ela não deve ser tratada como uma proposta do governo, mas da sociedade.
Outro ponto importante é o discurso de neutralidade da rede, que não existia antes. No início da internet, plataformas como YouTube e Facebook eram responsáveis pelos atos de seus usuários, mesmo não sendo elas as produtoras do conteúdo. Assim, o Marco Civil viria para transferir a responsabilidades para os terceiros, despertando interesse nas empresas para sua aprovação.
O que o Marco Civil NÃO é?
No processo da elaboração desse projeto de lei, muitas confusões surgiram sobre seu escopo de atuação e objetivos, cujo esclarecimento é extremamente crucial. Por exemplo, tem-se que o Marco Civil da Internet:
- Não é uma lei de limitação de expressão; ela, na verdade, serve para fomentar a liberdade;
- Não é uma lei sobre a proteção de dados pessoais; ela apenas define princípios gerais, mas as regras específicas ficam a encargo da Lei de Geral de Proteção de Dados Pessoais;
- Não é uma lei sobre direitos autorais;
- E não é uma lei do PT para controlar a internet.
As tensões para aprovação
Ainda durante o processo da aprovação da lei, houveram vários embates políticos e ideológicos e todo esse período pode ser dividido em dois estágios: O cenário antes e após o incidente com Edward Snowden, que revelou vários detalhes sobre o sistema de segurança estadunidense.
O cenário pré-Snowden foi marcado com o discurso de neutralidade de rede, dividindo o setor privado. De um lado, havia o setor de telecomunicações, que buscavam mudar seu plano de negócios, com franquias que regulavam os pacotes consumidos, privilegiando o tráfico de informação; do outro lado, haviam os opositores dessa ideia, que queriam evitar que a internet se tornasse uma TV a cabo.
Porém, após o escândalo com Snowden, o governo precisava agir para proibir a violação aos direitos humanos. Assim, o projeto de lei adquiriu também um caráter simbólico contra a espionagem estadunidense.
Com isso, o Marco Civil se estabilizou com três pilares principais: a liberdade de expressão, a neutralidade de rede e a privacidade.
A sua sanção, ainda, foi um grande ato simbólico, sendo realizada na abertura do NETmundial, o encontro multissetorial global sobre o futuro da governança da internet. Os desafios para o futuro
Por fim, ainda há tópicos que necessitam ser discutidos, no âmbito da tecnologia e internet. Alguns deles, são a concorrência, estudada pelo direito concorrencial para solucionar o problema da concentração econômica, principalmente pelas atuais empresas de tecnologia; a accountability, avaliando o impacto social dessas atividades; e a discriminação algorítmica, estudando métodos de como mitigar o viés.
Assim, com estudos e a participação popular em torno desse tema, poderemos garantir uma internet livre, neutra e segura para a atual e as próximas gerações.