Direito e Software: Liberdade de expressão na internet

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Este texto foi produzido pela estudante Maria Beatriz Oliveira Rosa, a partir da palestra de Veridiana Alimonti na Disciplina de Direito e Software, em 28/05/2019.

A liberdade de pensamento e expressão é protegida pelo Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e é entendida, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como composta por duas dimensões: o direito à difusão e o direito ao acesso e à busca de ideias e informações. Assim, incluem-se entre os discursos protegidos mesmo aqueles ofensivos, perturbadores, o que garante o direito das minorias de produzir e difundir discursos dissonantes dos dominantes — a possibilidade de discussão permite que os sujeitos atuem sobre a realidade. Não obstante, certos discursos são proibidos: a propaganda a favor da guerra e apologia ao ódio com, obrigatoriamente, incitação à violência realizável.

O sistema interamericano ainda protege os meios de difusão, o que abarca a internet. Em sua extensa cadeia de intermediários (provedores, serviços de hospedagem, mecanismos de busca, plataformas etc.), alguns elos são mais fracos; caso algum seja comprometido, a capacidade de expressão também o é. Dessa forma, deve-se atentar para balancear os diferentes direitos em disputa na internet, para o que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos recomenda que não haja censura prévia, mas sim responsabilizações posteriores, buscando assegurar os direitos das demais pessoas e do Estado, sempre fundamentadas em parâmetros de uma sociedade democrática.

Nesse sentido, organizações da sociedade civil publicaram em 2015 os Princípios de Manila sobre Responsabilidade dos Intermediários, recomendações para legisladores e intermediários desenvolverem políticas, em concordância com a Declaração dos Direitos Humanos e protegendo a liberdade de expressão, que tratem da responsabilização dos intermediários pelo conteúdo não criado ou modificado por eles. Os seis princípios, que vão ao encontro do Marco Civil da Internet, propõem práticas como testes de proporcionalidade e necessidade em casos de restrição de conteúdo, o direito a recorrer contra ordens de restrição e a solicitação de restrição apenas após ordem judicial.

No âmbito da censura privada, uma conferência entre organizações civis, pesquisadores e ativistas consolidou os Princípios de Santa Clara, que recomendam que empresas publiquem periodicamente a quantidade de posts removidos e contas suspensas devido à violação de suas diretrizes de conteúdo, que notifiquem aos usuários e justifiquem com clareza o motivo da restrição de seu conteúdo e que permitam que os usuários recorram, sendo respondidos por um moderador humano, das decisões de moderação. Tais princípios se fazem necessários por existirem áreas cinzentas nas políticas de liberdade de expressão, o que pode fazer com que desigualdades offline possam sofrer censura online, como não raro acontece em casos de denúncias e contranarrativas. Outra iniciativa de destaque, a pesquisa “Who Has Your Back?”, da Electronic Frontier Foundation, verifica com base nos compromissos públicos das empresas quanto elas protegem os usuários diante de requisição governamental de dados pessoais.

Essas recomendações são fundamentais em um momento em que muito discutem-se saídas para o problema da proliferação de notícias falsas, uma vez que várias soluções propostas acabam incorrendo em censura ou criminalização: o debate é essencial para se aproximar do que seria verdade sobre determinado fato, de forma que uma restrição prévia de conteúdo cercearia essa busca; e a criminalização, assim como leis antiterrorismo, pode ser usada para legitimar perseguições por outros motivos — pesquisadores e ativistas não recomendam penas criminais, em vez de civis, para lidar com o discurso. Vale também, no no exame de proporções, assumir que informações relativas ao exercício dos governos têm maior proteção, sublinhando o controle social em sociedades democráticas; bem como realizar a auditoria de algoritmos e contar com revisores humanos de conteúdo.

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